quarta-feira, 10 de junho de 2015

O que viveu meia hora. Carlos Drummond de Andrade

O que viveu meia hora
Ser*
Carlos Drummond de Andrade . .
O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.
Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.
Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?
Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te
como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.
O filho que não fiz
Faz-se por si mesmo.
*Em Claro Enigma.
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Anotações do poeta
(ambas assinadas por extenso)
I
Meu filho Carlos Flavio nasceu às 4 horas e 15 minutos do dia 21 de Março de 1927, segunda-feira. Deus o proteja em toda a sua vida.
21­ – III – 27 — às 4 e 35 da tarde.
II
Meu filho Carlos Flavio morreu às 4 horas e 45 minutos do dia 21 de Março de 1927, segunda-feira
21­ – III – 27 — às 10 horas da noite.
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O que Viveu Meia Hora*
Carlos Drummond de Andrade 
Nascer para não viver
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos
na mente volúvel ou cansada
até que um dia
trilhões de milênios antes do juízo final
não reste em qualquer átomo
nada de uma hipótese de existência.
*Em A Paixão Medida.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Onde morre a trilha do meu silêncio... Vou te buscar!




  Chegou de repente o fim da viagem Agora já não dá mais pra voltar atrás Rainha de maio valei o teu pique
 Apenas para chover no meu piquenique Assim meu sapato coberto de barro Apenas pra não parar nem voltar atrás Rainha de maio valeu a viagem
 Agora já não dá mais... 
Nisso eu escuto no rádio do carro a nossa canção 
Sol girassol e meus olhos ardendo de tanta emoção 
E quase que eu me esqueci 
que o tempo não pára Nem vai esperar Vento de maio rainha dos raios de sol 
Vá no teu pique estrela cadente até nunca mais
 Não te maltrates nem tentes voltar o que não tem mais vez 
Nem lembro teu nome nem sei 
Estrela qualquer lá no fundo do mar...




Só pra não ter mais nada a perder...


Descansar os olhos, olhar e ver e respirar
Só pra não ver o tempo passar
Pra passar o tempo
Até chover, até lembrar
De como deve ser Lumiar


Pra perder o medo, mudar de céu, mudar de ar
Clarear de vez Lumiar