Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas,
o sentido da minha vida. Nunca tive outra preocupação
verdadeira senão a minha vida interior. As maiores dores da
minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para
dentro de mim pude esquecer-me na visão do seu movimento.
Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me
falou de viver nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que
não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não
é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim.
Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o
que nem podia imaginar. A vida nunca pedi senão que passasse
por mim sem que eu a sentisse. Do amor apenas exigi
que nunca deixasse de ser um sonho longínquo. Nas minhas
próprias paisagens interiores, irreais todas elas, foi sempre o
longínquo que me atraiu, e os aquedutos que se esfumam —
quase na distância das minhas paisagens sonhadas, tinham
uma doçura de sonho em relação às outras partes da paisagem
— uma doçura que fazia com que eu as pudesse amar.
A minha mania de criar um mundo falso acompanha-me
ainda, e só na minha morte me abandonará. Não alinho hoje
nas minhas gavetas carros de linha e peões de xadrez — com
um bispo ou um cavalo acaso sobressaindo — mas tenho
pena de o não fazer... e alinho na minha imaginação, confortavelmente,
como quem no inverno se aquece a uma lareira,
figuras que habitam, e são constantes e vivas, na minha vida
interior. Tenho um mundo de amigos dentro de mim, com
vidas próprias, reais, definidas e imperfeitas.
